Autor: Lucas Pinheiro Silva
Revisão: Luigi Santana
Capa: Stefano Genachi
Publicado originalmente no site GameBlast
Revisão: Luigi Santana
Capa: Stefano Genachi
Publicado originalmente no site GameBlast
Todo jogador sabe o que são "fases da água", aqueles níveis praticamente obrigatórios em jogos de plataforma antigos que se passam debaixo do mar ou de um lago, tendem a retardar o movimento dos personagens e têm músicas calmas e tranquilas. Também são universalmente conhecidas por serem chatas, irritantes e terem marcado negativamente a infância de muitos. Mas, afinal, por que esses estágios submersos sofrem tanta rejeição? O que eles fazem de tão ruim para serem difamados, independentemente do gênero ou época?
É tudo uma questão de design. Não me refiro à direção de arte — muitas fases da água até possuem ótimo visual e trilha sonora. Falo de uma forma específica de design: o level design. Este é um conceito difícil de traduzir para o português. A melhor adaptação seria "projeto de fases" e lida com a forma como o espaço de um jogo é organizado, desde o posicionamento dos inimigos ao número de abismos e plataformas.
Há várias qualidades que definem um bom level design. Ele pode ser instrutivo, ensinando o jogador enquanto ele joga; ele pode ser imersivo, dando contexto à história; ele pode ser potencializador, permitindo que as mecânicas de um título sejam usadas de forma interessante. Similarmente, um nível mal projetado pode lesionar um game irremediavelmente, independente de sua imersão, história ou mecânicas.
Teriam, então, as fases da água um level design ruim? Não necessariamente. Algumas até são projetadas de forma interessante. Muitas delas certamente são imersivas. Outras usam bem as mecânicas do jogo, mesmo que as alterando previamente. O problema não está na qualidade, mas na coerência. É um caso de design conflitante.
Hidrofobia
Vamos tentar exemplificar como isso acontece. Imagine, por um segundo, um jogo hipotético em que você controla um encanador gordinho e bigodudo que pula de plataforma em plataforma. Sendo o pulo a única forma do personagem interagir com o mundo, o level design deste título girará em torno desta mecânica. Os inimigos vão morrer com o pulo, os itens serão ativados pulando neles e assim por diante. Com o tempo, o jogador cria expectativas quanto aos níveis do game, esperando que eles continuem a utilizar as regras de movimento preestabelecidas.
Uma imagem hipotética do nosso jogo hipotético
Suponha, agora, no sexto nível deste game hipotético, que as regras são alteradas. Ele se passa debaixo da água e o encanador não pode mais pular. O botão de pulo serve para nadar e seu movimento fica mais lento. Além disso, o personagem torna-se incapaz de atacar os inimigos, ficando vulnerável ao mero contato com eles. Tal situação é uma quebra brusca de paradigma. O jogo que se focava no pulo e plataformas passa a ser um desafio de se desviar de peixes e enguias até chegar ao fim do estágio.
Por mais que a fase seja bem projetada, ela provavelmente será estressante por entrar em conflito direto com as decisões de design postuladas anteriormente, modificar as regras do jogo a troco de nada e quebrar o ritmo da aventura. Este é o erro cometido pela maioria dos níveis subaquáticos.
Nosso exemplo hipotético (vamos chamá-lo de Super Mario Bros, para NES) não é o único a perpetrá-lo. Sonic the Hedgehog (Multi), infame por ter algumas das fases aquáticas mais odiadas da história, é um ótimo caso. Enquanto o projeto de fases da franquia se baseia no princípio de recompensar o jogador habilidoso com maiores velocidades, as fases da água retardam o movimento do ouriço azul e o cercam de armadilhas que tentam encurralar e afogar o personagem. Subitamente, a sensação de velocidade e histeria características da série são trocadas pela tensão.
Jogos 3D não fazem muito melhor. O clássico de N64 Banjo-Kazooie é centrado em acrobacias subaquáticas em Clanker’s Cavern, deixando de lado as seções de plataforma e resolução de puzzles.
GTA San Andreas (Multi) vai além, quebrando o ritmo antes mesmo de sua missão aquática, Amphibious Assault, começar. Enquanto o título tenta dar o máximo de liberdade ao jogador, esta missão só é acessível se CJ, personagem principal, tiver o status Lung Capacity (fôlego) alto o suficiente, exigindo que o jogador treine-o caso não alcance os pré-requisitos. A missão em si é um exemplo egrégio de design conflitante, com caminho bem linear e focada em stealth. Pior de tudo: ela é obrigatória para se completar o jogo.
Redenção azul
Felizmente há exceções à regra. Há vários jogos que souberam aproveitar bem a temática aquática sem contrariar regras preestabelecidas, integrando-a de forma interessante às decisões de design e mecânicas do título.
Sonic, tão difamado por suas fases aquáticas, acaba por prover um exemplo extremamente positivo em Hydrocity, de Sonic the Hedgehog 3 (Multi). Neste nível, com um pouco de habilidade, é possível simplesmente correr sobre a água e escapar dos setores submersos. É uma forma elegante de usar a água como punição para os jogadores menos habilidosos e recompensar os mais hábeis com velocidade (o foco da franquia).
Mega Man X (SNES), outro clássico da era 16-bits, é outro caso notório. A velocidade levemente menor de X no estágio de Launch Octopus é compensada com um pulo maior e mais longo. Mesmo debaixo da água, continua sendo o game focado em pular e atirar que os fãs tanto amam, apenas aproveitando melhor o espaço vertical.
The Legend of Zelda: Majora’s Mask (N64) vai além. Ao invés de retardar o movimento de Link ou deixá-lo vulnerável, o título cria uma nova mecânica exclusiva para os ambientes submarinos, possível graças ao seu sistema de máscaras e transformações. O level design de lugares como Great Bay Temple gira em torno e se aproveita da movimentação de Zora Link, evitando que o ritmo do game seja interrompido.
Algo não funciona bem na água? Mude!
Já Super Metroid, outro clássico de SNES, acaba sendo um exemplo misto e interessante. Inicialmente, não há qualquer espécie de compensação. Samus fica extremamente lenta enquanto submersa, tornando os setores aquáticos bem irritantes. No entanto, assim que se consegue a Gravity Suit, tal penalidade é anulada — mais do que isso, a protagonista ganha a habilidade de dar múltiplos pulos dentro da água. É uma forma interessante de dar motivação ao objetivo principal do título, a exploração, ainda que inicialmente frustrante.
Novos Mares
No final das contas, as fases aquáticas não precisam ser evitadas a todo custo. Elas não passam de ferramentas e, como qualquer uma, podem ser bem ou mal usadas. Antes de simplesmente implementar um nível submerso, um bom game designer deve se perguntar: “Como a água vai se integrar às mecânicas de meu jogo? Estou usando esse elemento somente por usar?”
Respostas satisfatórias para estes questionamentos são essenciais para que tudo não vá por água abaixo.
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