Autor: Lucas Pinheiro Silva
Revisão: Alberto Canen
Capa: Diego Migueis
Publicado originalmente no site GameBlast
Revisão: Alberto Canen
Capa: Diego Migueis
Publicado originalmente no site GameBlast
2014 levou muitas personalidades famosas, importantes e queridas. Uma delas merece menção especial para os fãs de videogames: Ralph Baer. “O pai dos consoles”, diziam as notícias que informavam sua morte em 07/10/2014, aos 92 anos de idade.
Nunca aspas foram tão desnecessárias. Ele foi, de fato, o pai dos consoles, sem aspas, sem poréns. Sem ele, os videogames como conhecemos jamais teriam existido.
Da Alemanha para os Estados Unidos
Rudolf Heinrich Baer nasceu em 1922, em Rodalben, Alemanha. Ele pertencia a uma família judia, no pior lugar e época possíveis para se ser judeu: a Alemanha Nazista. Temendo a crescente perseguição contra judeus, sua família buscou refúgio nos Estados Unidos da América, movendo-se para Nova Iorque em 1938. Em solo americano, Baer formou-se em técnico de serviços de rádio pelo Instituto Nacional de Rádio (National Radio Institute) e naturalizou-se cidadão estado-unidense.
Ele acabaria voltando à Europa poucos anos depois, em 1943, sendo convocado para lutar na Segunda Guerra Mundial. Trabalhando na divisão de inteligência militar, ele serviu o exército americano em Londres. Como veterano de guerra, teve direito ao financiamento de sua educação superior ao retornar ao seu país, onde conquistou um bacharelado em Engenharia de Televisão do Instituto Americano de Tecnologia Televisiva (American Television Institute of Technology) de Chicago, em 1949.
Formado, Baer trabalhou em várias empresas de tecnologia como engenheiro chefe, até ser contratado pela Sanders Associates em 1956. Supervisionando mais de 500 engenheiros no desenvolvimento de equipamentos de defesa militar, Baer permaneceria na empresa até sua aposentadoria, em 1987. Também na Sanders ele faria sua mais famosa invenção.
A Caixa Marrom
Na Sanders, Baer teve a oportunidade de tirar do papel uma ideia surgida anos antes: transformar televisões comuns em centros de entretenimento familiares. Ele já tinha percebido como o preço das TVs estava baixando, havendo mais de 40 milhões de televisões só em solo americano — com pelo menos mais 40 milhões ao redor do mundo. E se o público pudesse usar as TVs para mais coisas além de assistir comerciais?
Baer anotou considerações, transcrevendo-as depois para um documento de quatro páginas no qual descrevia a ideia de jogar usando uma televisão caseira comum, em 1966. Ele pediu que um supervisor lesse, datasse e assinasse o documento, transformando-o num registro legal.
A primeira página do documento que começou tudo. Você pode ler o resto aqui.
O documento conseguiu convencer seus superiores, dando a Baer o tempo de dois engenheiros (Bill Harrison e Bil Rusch) e $25,000 para iniciar o projeto. Após criar vários e cada vez mais complexos protótipos, a equipe finalmente teria um equipamento pronto para demonstração em 1968, o Brown Box. O sistema possuía vários tipos de jogos, de esportes, a labirintos e quizzes. Havia também jogos que faziam uso de uma light gun, com alvos móveis e estáveis.
Além de inventar os consoles, Baer
também foi pioneiro na arte de ragequits.
Logo Baer teve a primeira prova de que o projeto seria um sucesso. Durante uma visita a um examinador de patentes e seu advogado, o Brown Box foi colocado numa TV dentro do escritório do examinador. Em 15 minutos, todas as pessoas do andar estavam fazendo fila para jogar na máquina.
A Odisseia
Levaria mais dois anos para que o inventor encontrasse uma empresa interessada em comprar o sistema, até que em 1971 ele foi licenciado pela Magnavox (uma das maiores manufatureiras de televisões da época), renomeado Magnavox Odyssey e lançado comercialmente para o público em agosto de 1972 por $100,00 ($570,00 atualmente, ajustados pela inflação). O sucesso foi quase imediato. O Odyssey se tornou a linha mais lucrativa da Sanders, vendendo cerca de 300.000 unidades ao redor do mundo.
Mas o sucesso inicial não durou para sempre. Logo surgiram outros consoles de videogame, influenciados pela ideia de Baer. Uma das primeiras máquinas inspiradas no Odyssey foi o famoso Pong, criado por Nolan Bushnell, da Atari, após jogar Table Tennis, um dos jogos inclusos no aparelho da Maganavox. A Sanders Associantes processou a Atari e várias outras empresas concorrentes por quebra de patentes, vencendo muitas das causas, mas eventualmente o mercado ficou saturado com vários consoles que roubaram o espaço do Odyssey — em especial criações da própria Atari, como o Home Pong e o Atari 2600.
Qualquer semelhança com Table Tennis é mera coincidência.
O Odyssey não conseguiu se manter competitivo principalmente por duas razões. Primeiramente, apesar do sucesso inicial, Baer não conseguiu convencer seus superiores a reinvestir e aprimorar o aparelho. Uma das várias ideias do inventor era produzir cartuchos “ativos”, que permitissem jogos melhores e mais elaborados (o Magnavox Odyssey original era baseado em tecnologia dos anos 1950, conhecida como circuito integrado — não havia chips; seus cartuchos não continham jogos, eles rearranjavam os circuitos dentro do aparelho).
A outra razão chega a ser cômica: o Odyssey foi sabotado por seus próprios vendedores. Eles informavam aos clientes que o aparelho só funcionaria com TVs da Magnavox — o que era mentira, o console funcionava com qualquer televisão da época. Assim, consumidores que não possuíam equipamentos da empresa acabavam comprando videogames concorrentes.
O pai dos consoles
Baer chegou a fazer outras iterações do Odyssey — que não fizeram tanto sucesso quanto o original e enfrentaram forte concorrência — e trabalhou em brinquedos eletrônicos até sua aposentadoria. Uma de suas criações mais famosas foi o brinquedo Simon, que certamente muitas crianças e adultos conhecem.
No decorrer da vida, o inventor recebeu vários prêmios e reconhecimentos por suas contribuições à indústria. Suas honrarias incluem o IEEE Masaru Ibuka Consumer Electronics Award (2008) e a IEEE Edison Medal (2014). Mas certamente seu prêmio mais importante foi em 13 de fevereiro de 2006, quando recebeu do então presidente dos Estados Unidos da América George W. Bush a Medalha Nacional de Tecnologia (National Medal of Technology), por sua “criação inovadora e pioneira”. Em 2010, Baer entrou para o Hall da Fama de Inventores Nacionais (National Inventors Hall of Fame), ao lado de grandes cientistas como Nikola Tesla e Alfred Nobel.
Tesla se sentiria honrado.
Reconhecimento mais que devido para aquele que foi o pai de toda uma indústria multibilionária.
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